A expressão “de bom alvitre” é usada para se referir a algo que é considerado uma boa escolha ou apropriado, um bom conselho, uma boa sugestão, algo a ser lembrado. Uma expressão ainda utilizada em contextos formais ou literários, porém em desuso, uma expressão “vetusta”, uma expressão “antiga”, “muito velha”, “deteriorada pelo tempo” ou “respeitável pela sua idade”. Como no exemplo da frase:

“Seria de bom alvitre preservar as cerâmicas da fachada, o casarão é vetusto”

A série “Alvitre” vem justamente na função de um lembrete a importância de determinadas linhas de revestimentos cerâmicos que de tão memoráveis acabaram impressos no imaginário coletivo brasileiro. Como os “azulejos com relevo de gota de vidro”. Uma cerâmica já há décadas fora de linha, mas originalmente produzida em maior escala nas variações de marrom e verde. Cerâmicas populares no Brasil durante as décadas de 70 e 80, populares a ponto de serem encontradas ainda hoje em poucas residências originais que resistiram a deterioração do tempo e a especulação imobiliária e que vão desde o Alto da Mooca, reduto tradicional italiano na Zona Leste da capital paulistana, até a orla do Rio Caeté no município de Bragança, interior do estado do Pará, terra do arquiteto e designer Zildo Reis, criador do Urtiga Studio.

Os azulejos com gotas de vidro foram largamente utilizados em fachadas, banheiros e pátios brasileiros na sua época e, como todo ótimo design, acabou cristalizado nas lembranças de uma geração. “O azulejo das baratinhas”, “o azulejo de coca-cola” (no tom âmbar) ou “o azulejo de soda limonada” (no tom esmeralda) são alguns dos comentários recheados de nostalgia que vêm sempre atrelados a um “a casa dos meus avós”, “a casa da madrinha no interior” ou “a casa onde eu cresci” e que facilmente são encontrados em uma busca rápida em publicações virtuais sobre residências antigas com aplicação deste revestimento.

A série “Alvitre” é formada por um conjunto de duas peças: cadeira e banco. Objetos formalmente simples e limpos, que ressaltam a essência do Urtiga Studio, mas que saem do plano principal para evidenciar todo o protagonismo que a cerâmica “gota de vidro” reivindica. Um protagonismo, que apesar de descontinuado, emerge sem esforço assim que repousamos os olhos sobre as joias de vidro vintages da superfície esmaltada. Joias antigas e raras que hoje alcançam status de relíquias e como pedras preciosas precisam ser laboriosamente garimpadas.

Outra escolha fundamental na sua construção está relacionado a natureza artesanal do processo que, alinhado aos azulejos que são irregulares e muitas vezes com empenas, dispensou os cortes automatizados de precisão e foi feito inteiramente com ferramentas manuais e um plano de corte mais livre e experimental, cheio ajustes durante sua estruturação.

O uso de juntas secas que destacam as “falhas” dos azulejos de demolição e o reaproveitamento de madeiras de projetos anteriores também reforçam as premissas de uso consciente dos recursos existentes e a valorização do processo manual. Premissas de muitíssimo bom alvitre que conduziram a coleção e que não cairão em desuso por algumas gerações.